terça-feira, abril 28

Anotações de como o Rio venceu o sequestro.

No final de 1997, foi sequestrada na Tijuca uma senhora de 74 anos, mulher de um ex-presidente de uma grande multinacional. Um mês antes o Rio tinha estabelecido um plano de combate ao seqüestro, baseado num acurado diagnóstico. Era este seu primeiro grande teste.

A DAS iniciou suas investigações, de acordo com as diretrizes programadas: além do uso de tecnologias avançadas de inteligência e de investigação, três objetivos principais deveriam ser atingidos para a operação ser considerada um sucesso: a vítima deveria ser libertada graças à ação da polícia; o resgate não poderia ser pago; e seqüestradores deveriam ser presos. O delegado Marcos Reimão não abria mão de qualquer destes princípios, tendo em vista que o objetivo final era livrar o Rio de Janeiro daquele tipo de crime.

Acontece que, nem bem iniciadas as investigações, entraram em cena executivos ingleses, de uma empresa especializada em negociar libertação de reféns para seguradoras internacionais. Logo ficou claro que havia uma diferença de objetivos entre os dois grupos. Foi percebido que aqueles estrangeiros gentis podiam estar ocultando dados, em favor de sua estratégia de levar os seqüestradores a libertar a vítima assim que possível. Reimão colocou - sem informar detalhes de sua qualificação - um delegado fluente em inglês acompanhando as negociações, que confirmou as suspeitas da equipe. O que os executivos estavam negociando com a família e a matriz era diferente do que era relatado à DAS.

O mais grave, porém, é que o time da casa não conseguia avançar na identificação da quadrilha e na localização do cativeiro. Às vésperas da data limite estabelecida pela quadrilha para o recebimento do resgate, havia apenas frágeis suspeitas sobre a origem do grupo e seus métodos, além de alguma idéia sobre as áreas de que partiam as ligações para a família.

Na madrugada de 24 de dezembro as equipes da DAS estavam preparadas para o acompanhamento da gincana que precede o pagamento do resgate. Naquela manhã os negociadores ingleses sairiam pela cidade, sob orientação dos criminosos, para percorrerem diversos pontos, recolhendo bilhetes e indicações, de modo a permitir que a ausência de polícia na operação fosse verificada. Pelo final da tarde determinariam o local da entrega do dinheiro.

A primeira decisão de risco foi tomada na véspera: distribuir equipes pelas áreas que eram indicadas como prováveis locais de chamada pelos negociadores da quadrilha, esperando a única oportunidade para prendê-los, que seria logo pela manhã, no contato que daria início à gincana. A distribuição foi precisa: quando a ligação ocorreu, o rastreamento indicou um local no Centro, há menos de 500 metros de uma das equipes. Ocorreu que, quando a equipe foi contatada, ainda não tinha chegado ao local, estava atrasada! E a oportunidade melhor calculada foi perdida, deixando a sensação de ouro em pó escorrendo entre os dedos.

As equipes tentaram manter algum ritmo, inutilmente. Eram seis horas da tarde, com quase todos os procedimentos da gincana completados, faltando pouco para o dinheiro seguir, e nenhuma prisão fora feita, nenhuma nova informação chegara. Como abortar o pagamento sem uma contrapartida que desse segurança à vítima? Quando dinheiro saiu, uma moto e um carro não ostensivo da DAS aguardavam defronte ao flat dos ingleses, que foram seguidos discretamente. A gincana estava em seus últimos passos. Mais um bilhete, e o pagamento seria feito.

Foi quando o destino aprontou outra. A equipe de Vila Valqueire obteve pistas seguras do local do cativeiro. As equipes todas foram direcionadas ao local. Mas havia um problema: não haveria tempo para libertar a vítima e, depois, abortar o pagamento. O que fazer? Estava em jogo uma vida. Seria muito mais fácil permitir o pagamento do resgate e libertar a senhora, se fosse o caso. Nenhuma carreira correria qualquer risco, apenas o plano de ação naufragaria, nada mais.

O agente inglês levou um susto, quando teve seu carro fechado. Acreditava serem os seqüestradores. Um delegado de polícia identificou-se e informou-o que, por determinação do delegado titular da DAS, o pagamento não poderia ser feito e convidou-o a ir até a Divisão com o dinheiro do resgate. Um motorista da polícia assumiu a direção do veículo e dirigiram-se ao Leblon.

O local do cativeiro foi cercado por mais de quarenta agentes. Era uma demonstração de força, para que os seqüestradores que lá estivessem se entregassem. Foi o que aconteceu. Eram dois homens e duas mulheres. Abriram as portas, apontando para as armas colocadas sobre uma mesa.

Eram nove e meia da noite, 24 de dezembro de 1997. A senhora estava algemada a uma cadeira, num canto de um quarto, assustada com o movimento. “Fique tranquila, eu sou o delegado Marcos Reimão, e estamos aqui para levá-la para casa.” Os olhos cansados brilharam. D. Ilka não foi para casa, mas passou aquela noite de Natal em uma clínica da Zona Sul do Rio, com seu marido.

O dinheiro foi devolvido à família.
A partir deste caso, nenhum seqüestro ocorrido no Rio resultou em pagamento de resgate.
Todas as vítimas foram libertadas pela polícia.
Mais de 200 envolvidos foram presos em dois anos.
A equipe que atrasou foi removida da DAS.
No ano seguinte a empresa inglesa mudou seus escritórios para São Paulo.

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